quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Pink Floyd: The Wall (1982)

Cresci ao som do Pink Floyd dos anos 70 (com exceção da trilha sonora Obscured By Clouds, que não possuíamos em nenhum formato). Atom Heart Mother, Meddle e Animals sempre fizeram parte de minha lista de discos preferidos. Levei décadas para aceitar que Wish You Were Here é, de fato, uma obra magnífica, talvez a melhor do então quarteto formado por Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason. Os dois discos mais populares e acessíveis, The Dark Side of the Moon e a ópera-rock The Wall, também são indispensáveis, sendo que fiquei fascinado por este último por muito tempo. O disco duplo foi concebido, gravado e lançado em um período muito conturbado para a banda, quando Roger Water havia tomado as rédeas para si já há alguns anos, culminando na expulsão de Richard Wright, um dos três membros fundadores restantes da banda.


The Wall, lançado em 1979, conta a história de Pink, cujo pai morreu em combate em 1944 quando ainda era um recém-nascido, sendo criado pela mãe superprotetora e maltratado pelo professor na escola, eventualmente se tornando uma estrela do Rock, casando-se e sendo posteriormente chifrado e abandonado pela amada. Na perspectiva de Pink, cada acontecimento ruim em sua vida é apenas mais um tijolo no muro construído ao seu redor – ou seja, mais uma motivação para que ele se isole do resto do mundo cruel, em um estado mental total e confortavelmente entorpecido. Incapaz de se libertar de seu pequeno mundo e inspirado por um filme na televisão, acaba criando uma facção neonazista com centenas de seguidores a fim de combater os “males” da sociedade, até ser capturado, julgado e condenado a derrubar o muro. Há diversas interpretações sobre o destino final de Pink, mas para mim nunca ficou muito claro se ele volta ao mundo real ou se parte desta para uma melhor.


O personagem Pink foi inspirado no próprio Roger Waters, o criador do conceito da ópera-rock e que de fato perdeu o pai para a Segunda Guerra (tema novamente abordado no derradeiro disco da banda com ele, The Final Cut). Desde a concepção de The Wall, havia o projeto de um filme baseado nele. A ideia inicial era de lançá-lo com um filme-concerto, aos moldes de Live at Pompeii, aproveitando as filmagens de diversos shows da megalomaníaca turnê realizados no histórico Earls Court, além de algumas animações e cenas adicionais que seriam estreladas por Waters, que convidou o cineasta Alan Parker, fã do Pink Floyd, a dirigir o projeto. A ideia de filme-concerto foi logo descartada devido à qualidade insuficiente do material filmado em Earls Court. Waters, como ator, é um excelente músico e acabou perdendo o cargo de protagonista de sua própria história, sendo substituído pelo frontman da banda Boomtown Rats, Bob Geldof. Logo, restou ao criador transformar a história de Pink em um roteiro cinematográfico.


Três anos após o lançamento do disco, o filme Pink Floyd: The Wall finalmente é lançado. A essa altura, Richard Wright já estava fora da banda, mas sua participação no disco foi usada no filme e seu nome aparece nos créditos finais junto aos dos demais integrantes. Falando nisso, o filme quase não possui diálogos e é praticamente todo acompanhado pelas canções do bolachão – exceto The Show Must Go On e Hey You, mas com a inclusão das inéditas What Shall We Do Now? e When The Tigers Broke Free – tornando-se um longo videoclipe de 95 minutos de duração dividido em inúmeros segmentos (canções). A cinematografia é linda, com tons acinzentados e escuros que espelham a realidade daqueles tempos mórbidos e da vida de Pink. As cenas envolvendo soldados em combate e suas consequências são bem realistas e o figurino reflete bem a passagem dos anos. Outros momentos de destaque ocorrem durante a imponente abertura com In The Flesh?, passando por Another Brick In The Wall (Part II), Mother, One Of My Turns/Don’t Leave Me Now, Comfortably Numb e Waiting For The Worms.


Todavia, os melhores segmentos da película certamente são as animações, sobretudo na belíssima Goodbye Blue Sky e na excêntrica The Trial, o desfecho da narrativa. O desenhista político Gerald Scarfe, que já havia produzido um videoclipe para a canção Welcome to the Machine, além das artes do disco The Wall e algumas animações para a subsequente turnê, fez um trabalho impecável onde imagens se misturam a outras e se transformam constantemente com fluidez enquanto o artista faz duras críticas à guerra, ao abuso e à coerção, dentre diversos outros temas concernentes à natureza intrínseca do ser humano. Definitivamente não teria sido uma má decisão caso o filme todo fosse realizado apenas com o grande trabalho visual de Scarfe.


Bob Geldof também não faz feio. O músico encarnou Syd Barrett de forma impressionante (Barrett foi o primeiro guitarrista e principal compositor e cantor do Pink Floyd, até o LSD derreter seu cérebro e a banda se ver obrigada a substituí-lo por Gilmour em 1968. Ufa!), como se suas expressões e comportamentos fossem reais na tela: basta reparar ao final de One Of My Turns ou no momento em que o jovem Pink vê a si mesmo mais velho sentado em um canto de um quarto obscuro. Geldof também expressa puros momentos de “lucidez”, como ao comandar sua facção neonazista. Duvido que Waters teria feito melhor. Minha única ressalva foi seu desempenho vocal em In The Flesh? e na sua reprise. Geldof parece simplesmente avacalhar com a canção e teria sido melhor manter a voz de Waters, como na versão original.


A meu ver, o único ponto negativo de Pink Floyd: The Wall foi a exclusão de Hey You, minha canção preferida do disco e uma das melhores de toda a discografia do Floyd. Parker e Waters acharam este segmento repetitivo, já que boa parte das imagens aparecia em outros momentos do filme. Ora, que colocassem ao menos a canção nos créditos finais no lugar da fraquinha Outside the Wall (embora a versão desta seja muito, muito superior no filme). Curiosamente, nem Waters nem Alan Parker ficaram satisfeitos com o produto final. Eles e Scarfe bateram de frente durante toda a produção, jamais chegando a um consenso. Acho que se eu mesmo estivesse envolvido neste projeto, também não gostaria muito. Mas sou apenas um fã. Amo aquelas músicas. O filme se encaixou perfeitamente nelas e isso, para mim, está de bom tamanho.

Nota: *****

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Amargo Pesadelo (Deliverance, 1972)

Eu era um grande fã de Jon Voight na adolescência. Em 1998, sem as facilidades atuais que nossa querida Internet proporciona, eu havia conseguido cópias em VHS de aproximadamente 30 de seus filmes, mais da metade de todos os que ele já havia feito até então. Alguns foram maravilhosos, outros razoáveis e o resto foi pura porcaria. Um dos melhores, certamente, foi Amargo Pesadelo, do diretor John Boorman, adaptado do romance escrito e publicado pelo americano James Dickey dois anos antes.


Em um fim de semana qualquer, Lewis (Burt Reynolds), Ed (Jon Voight), Bobby (Ned Beatty) e Drew (Ronny Cox), quatro homens da cidade grande, decidem ir para os confins da Georgia a fim de descer de canoa o rio Cahulawassee, situado em uma área que logo será inundada para a construção de uma represa. O que eles esperavam ser um fim de semana repleto de aventuras e boas lembranças acaba se transformando no título – em português – da narrativa após toparem com dois caipiras habitantes daquela região.

Amargo Pesadelo é um filme tenso. É possível sentir o clima de hostilidade daquele lugar e de seus habitantes assim que os protagonistas chegam. A cena-chave da película, além de corajosa (assim como no livro, eu suponho), é bastante incômoda de se ver. O clímax ocorre durante a transição do segundo para o terceiro ato e, ainda assim, nunca há a sensação de alívio neste último. E este é um dos motivos de o filme ser especial.

Há, claro, momentos de calma antes da tempestade, como as cenas que acompanham os conhecidos em suas primeiras descidas pelo rio que, inclusive, pode ser considerado como um “quinto protagonista” da história: convidativo e, ao mesmo tempo, ameaçador, o Cahulawassee é o fio condutor de um belíssimo cenário e uma narrativa perturbadora. E o que dizer da fantástica cena envolvendo um duelo de violão e banjo, senão que é uma das mais icônicas e lembradas do Cinema, assim como a canção em si (Dueling Banjos, de Arthur Smith)?

Se utilizei a palavra “conhecidos” para me referir a Lewis, Ed, Bobby e Drew, é porque o roteiro de Boorman não os explora suficientemente. Eles são forasteiros não apenas aos olhos dos habitantes daquele lugar ou do espectador, mas também entre si. Sabem o nome um do outro, viajaram juntos, trocaram palavras, mas não são amigos – talvez com exceção a Ed e o líder Lewis, o único que realmente nos dá uma explicação para estar ali. Tenho certeza de que o filme seria ainda mais forte se soubéssemos um pouco mais sobre estes distintos homens.

Outro fator que torna o filme único para os padrões de hoje é que todos os quatro atores realmente filmaram as perigosas cenas no rio Chattooga (o real, que de fato passa pela Georgia) sem o auxílio de cabos, dublês, computadores e até mesmo seguro contra acidentes. Jon Voight escalou um penhasco de verdade. Hoje tudo seria feito em uma piscina ou parede com um imenso chroma key ao fundo. Eu pessoalmente não consigo ver tensão nisso. Nem cinema de verdade.

Nota: *****

It: Uma Obra Prima do Medo (It, 1990)

Há certos filmes que levamos anos, às vezes décadas para assistir. Em muitos casos, a expectativa só aumenta com o passar do tempo e todas as vezes nas quais amigos e familiares recomendam um mesmo filme específico. E também, em muitos casos, a melhor opção seria jamais tê-lo assistido, pois nossa imaginação de como o filme deve ser pode acabar sendo muito melhor do que o produto em si. É o caso de It: Uma Obra Prima do Medo, o qual assisti recentemente.


It é baseado na obra homônima do mestre Stephen King, publicado em 1986. A adaptação, dirigida por Tommy Lee Wallace, não foi feita para os cinemas. Trata-se de uma minissérie de televisão de apenas dois capítulos, cada um contendo 90 minutos de duração e ambos focando em um grupo de amigos chamado O Clube dos Perdedores. A primeira metade se passa nos anos 60 e introduz o grupo de heróis, os párias Bill (Jonathan Brandis), Ben (Brandon Crane), Beverly (Emily Perkins), Eddie (Adam Faraizl), Ritchie (Seth Green), Mike (Marlon Taylor) e Stan (Ben Heller). Juntos ou separados, aos poucos são atormentados pelo misterioso palhaço Pennywise (em excelente atuação do sempre divertido Tim Curry), quem matou Georgie, o irmão caçula de Bill, logo no início da narrativa. Temendo um destino cruel, os Sete Sortudos unem forças para pôr um fim ao sádico palhaço. Após o esforço, fazem um pacto: caso Pennywise retornasse, todos eles se reuniriam para combatê-lo novamente, visto o quanto eram fortes juntos.

A edição se encarrega de apresentar os personagens já crescidos ainda nesta primeira parte, quando Mike, o único membro do grupo a continuar a viver na pequena cidade de Derry, onde tudo ocorreu, descobre que Pennywise está de volta após o assassinato de uma garotinha, o que o faz entrar em contato com seus velhos amigos. Acompanhamos a reação de cada um a receber sua ligação, seguida por um flashback que retrata o primeiro contato do indivíduo com o palhaço.

Enfim, ao passar dos 90 minutos, passamos a acompanhar apenas as versões adultas dos amigos de infância, quando todos regressam e se reencontram em Derry após décadas afastados para derrotar Pennywise de uma vez por todas. E é a partir daí que o filme perde muito, muito peso. Afinal, não há como temer tanto pelas vidas de alguns marmanjos (agora, pessoas bastante insossas) quanto por aquelas de crianças inocentes, fisicamente frágeis, mas corajosas, unidas e determinadas.

O elenco infantil é forte, coeso e possui grande carisma e química. O mesmo pode ser dito de seus personagens. Os 90 minutos iniciais são um belo exercício de suspense e narrativa. Já suas versões adultas são irritantes, quase unidimensionais – respectivamente, interpretadas por Richard Thomas, John Ritter, Annette O’Toole, Dennis Christopher, Harry Anderson, Tim Reid e Richard Masur, todos fracos, ao menos aqui. Confesso que, em certos momentos, desejei que Pennywise os matasse logo, pois não torcia mais pelo Clube dos Derrotados, mas para o fim daqueles inchados e arrastados 90 minutos finais. O desfecho é tosco, tanto o clímax corrido (mesmo com todo o tempo do mundo) quanto a cena final, em uma bicicleta no centro da cidade. O que vale mesmo é a atuação intrigante de Tim Curry.

Ao menos sempre teremos a primeira parte, ou capítulo, como queiram.

Nota: ***

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Especial O BALCONISTA

Se há um cineasta que podemos chamar de “nerd-mor”, este é Kevin Smith. O diretor, produtor, roteirista, editor e ator sempre adiciona a seus filmes inúmeras referências à cultura pop através de diálogos envolvendo filmes, quadrinhos, seriados e afins. Seu primeiro filme de sucesso, O Balconista, custou menos de 30.000 dólares para ser feito e boa parte do orçamento foi obtida graças à venda de sua coleção de quadrinhos. As duas locações principais da narrativa – uma loja de conveniência e uma locadora – eram lugares onde Smith realmente trabalhou na época, provavelmente lendo muito e assistindo filmes para passar o tempo, assim acumulando muito conhecimento sobre a cultura nerd.

O Balconista (Clerks, 1994)


É uma manhã qualquer quando Dante Hicks (Brian O’Halloran) recebe uma ligação de seu chefe solicitando-o a abrir a loja de conveniência Quick Stop em seu dia de folga, pois o outro funcionário está doente e seu chefe só estará disponível ao meio-dia. Como se isso não bastasse, Dante ainda tem que lidar com o inconsequente Randal Graves (Jeff Anderson), seu amigo de longa data e funcionário da locadora ao lado, e os inúmeros problemas que este o trás. Há também a revelação “bombástica” de sua namorada Veronica (Marilyn Ghigliotti) e a descoberta de que Caitlin (Lisa Spoonhauer), sua antiga namorada e grande amor, irá se casar em breve. E, claro, a presença de clientes de todos os tipos, alguns mais inconvenientes do que outros.

Toda a trama de O Balconista é apresentada, desenvolvida e concluída no decorrer de um dia. Devido ao baixo orçamento, o filme é todo em preto e branco e depende fortemente dos personagens e diálogos para se manter, o que felizmente acontece. Há bastante espaço para explorar o caráter de Dante e Randal e a dinâmica entre eles e suas personalidades diferentes. As situações (envolvendo um jogo de hockey, um velório e sexo no banheiro, entre outras) são absurdas e os diálogos são muito envolventes e passeiam por diversos temas como sexo, Star Wars, responsabilidade para com relacionamentos, velhos conhecidos e a incerteza do futuro. Os melhores momentos são aqueles nos quais os amigos, ambos com 22 anos de idade, se questionam – e são questionados por Veronica – sobre o atual momento de suas vidas e a falta de perspectiva sobre o que acontecerá em seguida, algo que aflige muitas pessoas, eu incluso.

Passeando entre o filosófico e o hilário, O Balconista ainda nos apresenta à dupla Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (o próprio Kevin Smith), dois amigos traficantes que passam o dia em frente à loja esperando por sua clientela. Estes dois personagens se tornariam a alma e o elo do universo cinematográfico estabelecido por Smith, que abrange seis longas – O Balconista (1994), Barrados no Shopping (1995), Procura-se Amy (1997), Dogma (1999), O Império (do Besteirol) Contra-ataca (2001) e O Balconista 2 (2006). Jay e Silent Bob são os únicos personagens presentes em todos eles, sempre interpretados por Mewes e Smith de forma absurdamente divertida.

Nota: *****

Enquanto Jay e Silent Bob aparecem em todos os filmes, eles nunca foram o foco, atuando apenas como coadjuvantes – em Procura-se Amy, a dupla aparece apenas em uma cena, na qual Silent Bob, em um dos raros momentos em que fala, exercita um belo monólogo sobre a garota do título. O protagonismo veio apenas com o quinto filme, Jay and Silent Bob Strike Back, cujo título foi porca e ridiculamente adaptado para o mercado brasileiro como O Império (do Besteirol) Contra-ataca. Planejado por Kevin Smith como um desfecho não só para a dupla como também para o universo cinematográfico iniciado em 1994, o filme – bem mediano – não apresentou um final digno, o que levou Smith a revisitar a história que começou tudo, afinal seria muito interessante saber o que aconteceu com Dante Hicks e Randal Graves após todos estes anos.

O Balconista 2 (Clerks II, 2006)


O Balconista 2 acompanha Dante e Randal dez anos após os eventos do filme original. O Quick Stop foi destruído pelo fogo um ano antes e os amigos agora trabalham na lanchonete Mooby’s. Dante, aparentemente feliz, está às vésperas de ir para a Flórida com sua noiva Emma (Jennifer Schwalbach) e começar uma vida nova, enquanto Randal sofre por seu melhor amigo estar de partida e acabar virando um pau-mandado nas mãos da esposa. Somos apresentados aos outros funcionários do Mooby’s: Elias (Trevor Fehrman), um nerd adolescente apaixonado por O Senhor dos Anéis e merdas como Transformers, sofrendo com o bullying de Randal, e Becky (Rosario Dawson), a gerente que flerta com Dante e o provoca quando ambos conversam sobre este se casar e ter todas as decisões importantes de sua vida tomadas por Emma, já que ele mesmo prefere evitar este fardo. Jay e Silent Bob continuam na mesma vida marginal e adotam a fachada do Mooby’s como seu novo local de “trabalho”.

O Balconista 2 não possui o mesmo brilho e inteligência do primeiro filme. Contudo, seu grande mérito é ser fiel a ele. Dante e Randal continuam os mesmos. Toda a trama se passa em questão de horas – com exceção do prólogo, iniciado em preto e branco, assim como em 1994, e do epílogo. Ainda temos situações absurdas (lembrem-se do jumento) e diálogos bem escritos envolvendo nerdices e reflexões sobre a vida – se no filme de 1994 Dante e Randal se questionavam sobre aquela etapa e o futuro incerto, aqui eles discorrem sobre como o tempo às vezes pode passar rápido sem ter sido aproveitado, o que também aflige muitas pessoas, eu incluso.

Para quem era jovem e acompanhou o lançamento de O Balconista no já longínquo ano de 1994, a continuação deve ter dado uma severa crise de nostalgia 12 anos depois. O Balconista 2 foi uma conclusão imensamente mais digna ao legado de Jay e Silent Bob (não estou incluindo aqui a animação Jay & Silent Bob’s Super Groovy Cartoon Movie, de 2013), além de Dante e Randal. Isto é, seria, afinal Kevin Smith, provavelmente devido aos filmes que anda dirigindo sem ter muito controle criativo, anunciou que um terceiro filme dos amigos será lançado nos próximos anos. Nos resta aguardar e torcer para que a saga continue divertida, e com momentos reflexivos.

Nota: ****

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Quase Famosos (Almost Famous, 2000)

Cameron Crowe é um cineasta apaixonado pelo Rock. Antes de se aventurar pela Sétima Arte, excursionava com bandas como Led Zeppelin, The Who, Lynyrd Skynyrd e Eagles a fim de conhecer mais a fundo a história das bandas, suas personalidades e como elas se comportavam na estrada. Era e continua sendo um editor colaborador da revista Rolling Stone, uma das mais influentes na área do jornalismo musical. Em 2000, Crowe fez um apanhado de diversas de suas experiências como crítico de Rock para realizar uma espécie de semi-autobiografia cinematográfica.


Crowe já havia demonstrado seu apreço pelo Rock em Vida de Solteiro (Singles), de 1992, cuja narrativa se passa em Seattle, durante o auge do movimento Grunge, com aparições de bandas como Alice In Chains, Soundgarden e Pearl Jam (esta última acabou ganhando um documentário em 2011 pelas mãos do próprio Crowe, Pearl Jam Twenty, ou simplesmente PJ20). Porém, em Quase Famosos, é absurdamente notável o quanto o coração de Crowe está presente em cada quadro, cada linha de diálogo e canção selecionada.

O filme narra a história de William Miller (Patrick Fugit), um adolescente genial e precoce. Somos apresentados a ele, sua irmã mais velha Anita (Zooey Deschanel, linda demais) e Elaine, sua mãe (a sempre ótima Frances McDormand). O ano é 1969 e Anita, frustrada com a forma bizarra com que Elaine tenta educar os filhos, acaba partindo, deixando sua coleção de vinis para William, que acaba se apaixonando assim que coloca Sparks, da primeira Ópera Rock do The Who, Tommy. Temos um salto de quatro anos. William, agora com 15, já é um redator da revista Cream e está prestes a concluir o colegial.

Ao conhecer pessoalmente o famoso crítico Lester Bangs (o grande Philip Seymour Hoffman, falecido no ano corrente), William é incumbido de entrevistar nada menos do que o Black Sabbath. No local do show, acaba conhecendo algumas groupies – incluindo a bela Penny Lane (Kate Hudson, em ótima atuação), por qual William acaba tendo uma queda – e a banda Stillwater. Dias depois, William recebe uma ligação de Ben Fong-Torres (Terry Chen), editor da Rolling Stone.

Desconhecendo a idade do competente jornalista, Fong-Torres o oferece uma grana preta e uma excelente oportunidade para acompanhar uma banda em turnê e escrever uma vasta matéria sobre a mesma. William, então, sugere a Stillwater, banda promissora e ainda com pouca bagagem que acabara de conhecer pessoalmente. Ele logo se vê na estrada com a banda liderada pelo irritante vocalista Jeff Bebe (Jason Lee) e o guitarrista molha-calcinha Russell Hammond (Billy Crudup), além de Penny Lane, em uma aventura que mudará sua vida e a forma com que vê o mundo.

A sinopse em três parágrafos pode parecer demais, mas, acreditem, trata-se apenas do primeiro ato do filme, que conta com duas versões: a tradicional dos cinemas, com 122 minutos, e a estendida, chamada apenas de Untitled, ou The Bootleg Cut, com 164 minutos. É desnecessário afirmar que a versão mais curta se torna obsoleta ao assistirmos aquela com mais de 40 minutos adicionais, pois nenhuma cena estendida ou incluída torna o filme cansativo. Muito pelo contrário. Temos mais estudo de personagens, diálogos maravilhosos (os melhores que já conferi em qualquer filme), e podemos entender melhor a química entre Russell e Penny.

Todo o elenco brilha em Quase Famosos, mas posso dizer que os destaques vão para Frances McDormand, Philip Seymour Hoffman e, obviamente, Kate Hudson. Não há nenhum personagem que não cumpra uma função num roteiro cheio de momentos brilhantes, quase mágicos para os amantes de Cinema (e de Rock). O humor é inteligente e pontual e contrasta muito bem com o terceiro ato, já não tão mágico aos olhos de William. A trilha sonora traz ícones do Rock dos anos 60 e 70 como Black Sabbath, Iggy Pop, Led Zeppelin, Elton John, Simon & Garfunkel, The Who, The Allman Brothers Band e Lynyrd Skynyrd, colorindo ainda mais as cenas já vívidas da projeção, que nos ensina o que é o poder da Música e até que ponto ela pode nos levar. Quase Famosos mudou minha vida. Não era nascido nos anos 70, mas os presenciei por 164 minutos.

Nota: *****

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Highlander: O Guerreiro Imortal (Highlander, 1986)

Highlander: O Guerreiro Imortal é um filme de Russell Mulcahy baseado no roteiro escrito por Gregory Widen quando este ainda estudava na UCLA. A história, passada em 1985, se concentra em Connor MacLeod (Christopher Lambert, bem canastrão), um dos últimos Imortais da Terra, durante o clímax da batalha de séculos entre guerreiros Imortais. No fim, só pode haver um.


Diferente do que muitas pessoas pensam, ao menos no Brasil, um highlander não é um Imortal, como muitos se referem em piadinhas nas quais ninguém se machuca ou morre. Trata-se de uma pessoa oriunda das Terras Altas, ou seja, Highlands, a zona montanhosa do norte da Escócia. É o caso de MacLeod e seu clã de mesmo nome.

Highlander intercala passado e presente. Nos flashbacks, aprendemos sobre as origens de Connor quando este ainda era membro do clã MacLeod, como ele foi expulso do mesmo acusado de bruxaria por ter sobrevivido a um ferimento fatal, como conheceu seu primeiro amor, Heather (Beatie Edney) e como aprendeu a arte da luta com espadas com seu mentor, o também Imortal Ramírez (Sean Connery). Também somos apresentados ao vilão do filme, o Kurgan (Clancy Brown, em interpretação icônica), um sádico mercenário Imortal obcecado por matar Connor desde o primeiro encontro de ambos.

Já em 1985, os últimos Imortais duelam. A única forma de matá-los é os decapitando, o que obviamente chama a atenção da Polícia, especialmente Brenda Wyatt (Roxanne Hart), uma especialista em espadas antigas que se convence de que Connor – agora dono de uma loja de antiguidades – possa ter algum tipo de envolvimento com as cabeças decepadas. Ela acaba se apaixonando por ele. Ao mesmo tempo, o Kurgan chega à Nova York e começa sua busca por MacLeod, a fim de ser o último Imortal e ganhar o Prêmio que, para ele, significa tornar-se o mais poderoso ser da Terra. Para MacLeod, uma chance de tornar-se mortal e poder constituir uma família.

As cenas do passado de Connor MacLeod são os melhores momentos do filme, especialmente o treinamento com Ramírez, o hilário duelo com um Conde em 1783 e quando Connor conhece a garotinha Rachel durante a Segunda Guerra. Entretanto, o mesmo não pode ser dito das cenas passadas em 1985, que apresentam uma trama pouco interessante e até mesmo fraca, sendo que os únicos bons momentos são as cenas em que o Kurgan aparece.

A produção é bem datada. A qualidade do áudio não é das melhores e dificilmente se entende o que os personagens falam em certos momentos sem ter que aumentar bastante o volume. Os efeitos também são limitados devido à época e o orçamento mais modesto. Um dos melhores pontos a ser mencionados é o uso de diversas músicas do Queen em momentos pontuais da projeção. Who Wants to Live Forever é uma bela balada que serve como tema romântico, enquanto a pesada Princes of the Universe é o hino dos Imortais – seu videoclipe, inclusive, contém cenas do filme e um breve duelo entre o microfone de Freddie Mercury e a katana de MacLeod.

Highlander: O Guerreiro Imortal não foi planejado para ter continuações. O que acompanhamos aqui realmente deveria ter sido o desfecho dos Imortais, mas o oportunismo reinou e outras continuações acabaram saindo, as quais eu não vi (exceto Highlander III, mas há tanto tempo que não me lembro de quase nada, apenas de que se tratava de uma cópia bem inferior do primeiro). Tudo o que sei é que são filmes ruins seguidos de outros piores.

Nota: ***

E Sua Mãe Também (Y Tu Mamá También, 2001)

Alfonso Cuarón era um diretor em ascensão quando escreveu, produziu, dirigiu e editou E Sua Mãe Também, um road movie mexicano que conta a história de dois amigos adolescentes, Julio e Tenoch (respectivamente Gael García Bernal e Diego Luna, ambos também em ascensão) e sua viagem com uma mulher mais velha, a espanhola Luisa (Maribel Verdú), casada com Jano (Juan Carlos Remolina), primo de Tenoch. Os dois garotos a conhecem em uma festa de casamento e passam a ter tesão constante pela moça. Eles a convidam a fazer uma viagem, o que não dá em nada. Isto é, a princípio.


Entediados por suas namoradas estarem viajando pela Itália, os dois passam tempo batendo punheta e pensando em Luisa, o que gera uma cena bastante divertida à beira da piscina. O filme, aliás, é cheio de putaria – muito bem encenada, diga-se de passagem.

Ao saber que Jano a traiu novamente, Luisa entra em contato com Tenoch perguntando-lhe se a viagem ainda está de pé. Ele, bastante excitado, trata de avisar Julio, que consegue pegar o carro emprestado com a irmã por alguns dias. Assim, os três caem na estrada, em uma aventura que gerará conflitos entre os amigos lotados de testosterona graças à presença de uma mulher mais velha e, juntos, aprenderão muito mais sobre si mesmos.

E Sua Mãe Também emprega bastante o recurso da narração em off. O narrador sequer aparece na trama, sendo mais como um ser onipresente e onisciente naquele universo. Por mais que sua narração nos faça compreender o contexto mais facilmente, explicando melhor a personalidade de cada um, há momentos irrelevantes para a trama, como quando é explicada a rotina e o destino de um trabalhador ao tentar cruzar uma avenida movimentada apenas para justificar aquele engarrafamento em que os personagens se encontram.

O filme explora muito bem os cenários mexicanos naturais, a cidade grande, as periferias, o interior humilde do país e seu magnífico litoral. Além disso, temos um interessante estudo de personagens, revelando seus segredos sombrios através de diálogos e a narração em off. O mérito não é só do roteiro eficiente de Cuarón, mas também das atuações marcantes de García Bernal, Luna e Verdú. Aos que tiverem a oportunidade, também recomendo o making of, que ilustra bem o quanto toda a equipe se divertiu durante as filmagens.

Nota: *****

Sob a Pele (Under the Skin, 2013)

Scarlett Johansson é uma daquelas atrizes que se esforça quando quer. A grande verdade é que, honestamente, há muitas pessoas que apenas assistem a seus filmes por ela ser um colírio para os olhos. Realmente, ela é uma das mulheres mais belas e desejadas da atualidade, mas isso não torna seu trabalho bom o suficiente para chamar minha atenção sempre que surge um filme novo. Tendo isto em mente, concordei em assistir Sob a Pele apenas quando me foi feita a promessa de que Johansson apareceria pelada no filme. Sim, fui hipócrita. E me ferrei.


Sob a Pele é um filme de arte dirigido por Jonathan Glazer sobre uma alienígena que usa suas belas carnes (a pele roubada de uma humana) para oferecer carona e seduzir homens, atraindo-os ao seu “apartamento” e os matando em seguida. Após um tempo, ela passa a ter algumas emoções humanas e tenta viver uma vida normal aos poucos. Enquanto isso, um homem misterioso que a ajudou no começo da trama atravessa a Escócia de moto à sua procura.

Não bastasse a premissa esquisita, o filme, por ser de arte, é arrastadíssimo e muito pouca coisa realmente acontece em 108 minutos de projeção. Há longas sequências sem nenhuma forma de diálogo e, quando surgem, são normalmente escassos ou monótonos. Muita coisa é deixada sem explicação e, pelas minhas pesquisas, apenas quem leu o livro entendeu plenamente o filme, o que acho inaceitável. Não sou obrigado a ler um livro para compreender um filme adaptado dele, apesar de que minhas próprias interpretações não destoaram tanto do que é explicado no material de origem, o qual pesquisei posteriormente.

Em se tratando de cinematografia (Daniel Landin faz um ótimo trabalho com a iluminação e os tons empregados às cores), as poucas boas cenas do filme ocorrem dentro do “apartamento” de Johansson, onde ela tira a roupa e vai se afastando, fazendo com que os homens, cachorrinhos que são, caminhem em direção a ela, subsequentemente caindo em sua armadilha. Em certo momento, vemos o que acontece quando dois deles estão presos nela. Um momento de certo humor em um exigente exercício de paciência.

Nota: **

The Doors (The Doors, 1991)

Oliver Stone é um fã declarado dos Doors e Jim Morrison. 20 anos após a morte do ídolo, o diretor apresentou sua visão sobre a vida do poeta. Robby Krieger e John Densmore, respectivamente guitarrista e baterista da banda, resolveram entrar no barco e serviram como consultores, além de instruir seus intérpretes, Frank Whaley e Kevin Dillon, a tocar seus instrumentos em cena da forma mais fiel possível. O tecladista, Ray Manzarek, foi totalmente contra a ideia e resolveu ficar de fora, pois, formado em Cinema pela UCLA, preferia dirigir seu próprio filme sobre a banda e Jim Morrison. Ele não concordava com a visão de Oliver Stone.


Convenhamos, fazer um filme sobre um dos maiores rockstars e símbolos da contracultura norte-americana do final dos anos 60 não seria tarefa fácil e exigiria bastante experiência, o que Stone já tinha, afinal havia dirigido filmes como Platoon, Wall Street: Poder e Cobiça e Nascido em 4 de Julho. Restava encontrar alguém com coragem o suficiente para reviver Morrison. Para a felicidade geral, Val Kilmer, o escolhido, parece ter incorporado o espírito do mesmo xamã que Morrison afirmava ter lhe possuído quando testemunhou um acidente de caminhão envolvendo diversos índios, alguns feridos, outros mortos. Este é, provavelmente, o único papel realmente marcante de Kilmer.

O filme narra os últimos 6 anos de vida de Morrison, a começar por 1965, quando ainda estudava Cinema com Manzarek (interpretado por Kyle MacLachlan – Stone faz uma ponta em uma cena interpretando o professor deles) e conheceu Pamela Courson (Meg Ryan), quem se tornaria sua maior companheira, passando pela icônica cena na praia na qual Morrison recita trechos do então poema Moonlight Drive, impulsionando a formação da banda. Também temos o lado poético de Morrison, a execução do épico apocalíptico The End no Whisky A Go Go, o contrato com a Elektra Records, o primeiro disco, a ascensão, as drogas e o álcool, o desastre em Miami em 1969, a batalha judicial resultante e a volta por cima com L.A. Woman, tudo isto acompanhado do excelente catálogo musical da banda. As cenas que mostram os músicos noiados de LSD e a subtrama envolvendo a bruxa jornalista Patricia Kennealy (Kathleen Quinlan) são bastante apreciativas.

Porém, nem tudo são vinho e rosas. A cena em que Pamela insistentemente chama o elevador e acaba flagrando Nico, do Velvet Underground, pagando um boquete em Morrison e ambos começam a rir de sua cara é dura de engolir (com o perdão do trocadilho). Outro momento intragável envolve fogo no armário. Não creio que Morrison, ainda que em seu estado mais insano, seria capaz de tal feito. Manzarek, Krieger e Densmore não são muito bem desenvolvidos e alguns outros personagens sequer deixam claro quem realmente são.

O filme é uma biografia válida de Morrison e dos Doors? Claro que não. Trata-se da visão de um fã, de como ele imaginou aquilo tudo, já que viveu a época, mas não estava lá. E, como fã, Oliver Stone fez um ótimo trabalho. A escolha de Kilmer foi certeira e a trilha sonora não poderia ser melhor. Um filme de fã para fãs – embora muitos não tenham gostado da forma como Morrison foi retratado. Para quem não conhece muito bem a história dos Doors, recomendo os documentários No One Here Gets Out Alive, When You’re Strange e Mr. Mojo Risin’: The Story of L.A. Woman, todos oficiais e com histórias fantásticas contadas pelos próprios remanescentes do grupo e equipe.

Nota: ****

O Operário (The Machinist, 2004)

Muitas pessoas não gostam de Christian Bale. Eu até as entendo. Na maior parte do tempo, ele permanece com cara de cachorro passando fome. O que me faz respeitá-lo é todo o processo pelo qual passa para encarnar um personagem desafiador, entregando-se de corpo e alma, literalmente. Não sei se isto é algo bom à sua saúde física e mental, mas nós, os espectadores, geralmente saímos satisfeitos da sessão de um filme estrelado por ele.


Para ilustrar melhor, escolhi falar sobre O Operário, um suspense psicológico dirigido por Brad Anderson e que conta com Bale como protagonista. O ator resolveu passar fome por mais de 4 meses e perdeu aproximadamente 30 quilos para viver Trevor Reznik, o tal operário do título.

Reznik passa seus dias trabalhando na fábrica, tomando café no aeroporto da cidade, onde trabalha Maria, uma bela garçonete, com quem flerta, e saciando seu instinto básico com Stevie, uma prostituta que acredita que Reznik possa ser seu passaporte para uma vida melhor. Contudo, o sono não o atinge há um ano, as coisas começam a dar errado e ele acaba se tornando paranoico.

Se a premissa não soa muito original, O Operário compensa a assistida graças à atuação de Bale, que está convincente em sua confusão e paranoia e assustador de tão magro, algo que até mesmo um ou outro personagem reconhece durante a narrativa. Outros destaques são a fotografia sombria de Xavi Giménez, a trilha sonora atmosférica Roque Baños e o intrigante e misterioso Ivan, interpretado por John Sharian. O final pode até ser previsível, mas ao menos me deixou com a sensação de ter assistido a um belo esforço em equipe.

Nota: ****

Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, 1989)

Levei muitos anos para ver este filme. Muitas pessoas ao longo do caminho o recomendaram. Até ganhei uma cópia que ficou engavetada por anos. Isto é, até a morte de Robin Williams. Ele foi meu ídolo de infância. Me divertia bastante vendo alguns de seus filmes como Uma Babá Quase Perfeita, Hook: A Volta do Capitão Gancho e Jumanji, mas, como um pirralho, jamais havia me interessado em sua faceta mais dramática, embora algumas nuances possam ser identificadas nestes mesmos filmes mencionados acima.


Sociedade dos Poetas Mortos narra a história de alguns dos alunos da conservadora escola Welton Academy durante o ano de 1959 e o impacto causado em suas vidas com a chegada do novo professor de Língua Inglesa, John Keating (Williams), e seu pouco ortodoxo método de ensino, diferenciando-o dos demais professores, todos carrancudos e rígidos. Afinal, tratava-se de uma escola séria. Keating os ensina a beleza e o poder da Poesia e o conceito do carpe diem – em bom Português, a “Teoria do Foda-se” – além de revelar-lhes um segredo datado da época em que ele próprio era um aluno, o mesmo que dá título ao filme.

Dirigido por Peter Weir a partir do roteiro de Tom Schulman baseado em sua vida escolar, Sociedade dos Poetas Mortos conta com boas atuações de todo o elenco, desde os então garotos Josh Charles, Gale Hansen e Robert Sean Leonard (este último como o sonhador Neil, o real protagonista da história), passando pelos já experientes Norman Lloyd, Kurtwood Smith e, claro, Robin Williams que, se não tem o tempo de tela esperado, rouba a cena sempre que aparece.

O grande problema que constatei ao finalmente assistir a Sociedade dos Poetas Mortos é que o filme não é tudo aquilo que me haviam dito. Trata-se de belas mensagens, obviamente, como o já citado carpe diem, além de mostrar a dificuldade em ser um adolescente nos anos 50, quando o grau de responsabilidade imposto pelos pais os privavam de suas paixões e convicções. Porém, em uma história por vezes cansativa, como em alguns momentos da revivida “sociedade”, sendo que o grande atrativo é o aprendizado provido pelas aulas do professor Keating, dentro e fora de sala. O desfecho também é desfavorável por espelhar o de Bom Dia, Vietnã, também estrelado por Williams e lançado dois anos antes.

Nota: ***

ESPECIAL Sin City

Adaptações cinematográficas inspiradas em obras literárias ou histórias em quadrinhos sempre dividiram opiniões e sempre dividirão. Grande parte das pessoas afirma não gostar da película porque os responsáveis pelo roteiro e direção excluíram ou alteraram muitos elementos do material de origem. Eu acho isso ridículo. Para mim, um filme deveria funcionar e ser analisado como algo independente. E daí que seja diferente ou “incompleto”? Se funciona, por que não? Às vezes, um filme pode se beneficiar por ser mais objetivo e eficiente do que um material impresso. Muita gente já discordou de mim quando eu afirmava que tal filme era muito bom. Eles me acusavam de não conhecer o material original. De fato, não sou uma pessoa dos livros ou HQs, logo posso avaliar um filme sem preconceitos, sem comparações. Para mim, ou presta, ou não presta.

Sin City: A Cidade do Pecado (Sin City, 2005)


Felizmente, para os mais chatos, Sin City: A Cidade do Pecado é a adaptação perfeita. Os quadrinhos parecem ter ganhado vida graças ao emprego do chroma key, em que os atores trabalham diante de um fundo azul ou verde para, na pós-produção, um cenário ser adicionado e dar vida à ambientação. Robert Rodriguez, por mais que não seja um dos melhores diretores da atualidade, se supera neste filme, codirigido por Frank Miller, o autor das HQs. Rodriguez fez um excelente trabalho cinematográfico, empregando a luz com eficiência para contrastar o preto e o branco predominantes na projeção (com apenas alguns detalhes coloridos) que, aliado a narração em off dos personagens, dá a cara de film noir que o projeto exige.

Sin City conta quatro histórias: a primeira, The Customer Is Always Right, serve como prólogo e epílogo e foca no Vendedor (Josh Hartnett), um assassino profissional. É a história mais curta, com apenas 3 ou 4 minutos de duração. A segunda, That Yellow Bastard, é protagonizada por John Hartigan (Bruce Willis), um policial honesto que se vê obrigado a se aposentar após descobrir que tem problemas cardíacos, mas não antes de solucionar um caso envolvendo uma garota de 11 anos chamada Nancy (Makenzie Vega) e Roark Jr. (Nick Stahl), assassino pedófilo, filho do homem mais poderoso de Basin City, Senador Roark (Powers Boothe, em uma ponta interessante e que viria mostrar serviço no segundo filme). Esta história é interrompida e retomada ao final do filme, assim como a primeira.

O filme segue com The Hard Goodbye, provavelmente a melhor de todas. Nela, acompanhamos o brutamontes Marv (Mickey Rourke, em um papel que nasceu para interpretar), com seu aparente problema de memória, investigando sobre o assassinato de Goldie (Jaime King), sua transa da noite anterior, matando e torturando suspeitos dia e noite a fim de descobrir quem são os responsáveis. Mais tarde, Nancy aparece adulta, já interpretada por Jessica Alba.

The Big Fat Kill tem como foco Dwight McCarthy (Clive Owen, sempre carismático) após ter adquirido um novo rosto. Ao se meter em um grande problema em Old Town (a zona das primas), Dwight tem que correr contra o tempo para evitar que o lugar, controlado pelas putas, volte a ser dominado pela polícia, pela máfia e pelos cafetões. Em seu auxílio estão Gail (a maravilhosa Rosario Dawson), a chefe do bando, molhadinha por Dwight, e a pequena e letal Miho (Devon Aoki), a maior protetora de Old Town, especializada em fatiar filhos da puta. Benicio del Toro rouba a cena com seu personagem Jackie Boy. Dois dos atores em The Big Fat Kill já apresuntaram. São eles Brittany Murphy (interpretando Shellie, namorada de Dwight) e Michael Clarke Duncan (como Manute, o gigante torturador que trabalha a favor do caos em Old Town).

Por mais que eu goste de algumas histórias mais do que de outras, aqui temos 124 minutos de consistência narrativa e personagens envolventes (meus preferidos são Marv e Dwight), além de uma aula de técnica cinematográfica. Não há um minuto cansativo em Sin City: A Cidade do Pecado.

Nota: *****

Sin City: A Dama Fatal (Sin City: A Dame to Kill For, 2014)


É óbvio que todo o sucesso de público e crítica do primeiro Sin City despertou nos realizadores a vontade de produzir uma continuação: A Dama Fatal. Contudo, os 9 anos que separam o lançamento dos dois filmes foram o grande problema. Algumas pessoas – público e elenco – perderam o interesse na continuação ao longo dos anos e, mesmo com quase uma década de planejamento, o filme foi feito às pressas após ser finalmente oficializado em 2012.

Novamente, temos quatro histórias. Just Another Saturday Night traz Marv em ação novamente, tentando juntar os fragmentos de sua memória para desvendar o que houve e como ele chegou até ali. Esta história serve apenas como uma introdução ao filme, já que não passa dos 5 minutos de duração e deixa aquela sensação de assunto inacabado. Mas, acredite se quiser, é o melhor momento do filme.

Logo em seguida temos The Long Bad Night, escrita por Frank Miller especialmente para o filme e que traz um novo personagem, o jogador Johnny (Joseph Gordon Levitt), decidido a enfrentar e derrotar o Senador Roark num jogo de pôquer. Ele apenas não tem noção das consequências de derrotar o homem mais poderoso da cidade. Infelizmente, esta história me deixou com sensação de coito interrompido por duas vezes – quando ela dá lugar a A Dame To Kill For e, quando retomada, é finalizada de forma insatisfatória e abrupta. O que realmente vale a pena é a presença mais proeminente do personagem de Powers Boothe e a ponta divertida de Christopher Lloyd como um “médico” viciado.

A Dame To Kill For é a história principal e mais longa, que também dá nome ao filme. Aqui acompanhamos Dwight antes de sua cirurgia (logo, interpretado por outro ator, o não tão carismático Josh Brolin), atormentado pela volta de um amor do passado, Ava Lord (Eva Green, aparentemente atuando melhor pelada). Temos a volta de Manute (interpretado aqui por Dennis Haysbert), Gail e Miho (Jaime Chung, misteriosamente substituindo Devon Aoki), além de uma ajudinha do Marv – presente, de uma forma ou outra, em todas as histórias. A Dame To Kill For consome praticamente metade dos já reduzidos 102 minutos de projeção, mesmo com uma trama um tanto desinteressante e arrastada. Má decisão de Rodriguez e Miller.

Para finalizar, temos Nancy’s Last Dance, a outra história escrita por Miller para o filme. Ela basicamente continua de onde That Yellow Bastard, do filme anterior, parou. Portanto, contar a sinopse seria impossível sem alguns spoilers. Jessica Alba parece estar em uma novela mexicana, pensando alto enquanto não há mais ninguém no recinto. Não entendo o porquê de o recurso da narração em off não ser empregado aqui. Talvez seja destinado apenas aos personagens masculinos. Marv novamente quebra o galho, o que resulta em um problema de continuidade. Afinal, em The Hard Goodbye, a impressão que dá é que aquela foi a última vez na qual os dois personagens se encontraram. Além deste equívoco, Nancy’s Last Dance parece ter sido escrita apenas com o intuito de amarrar pontas soltas de forma preguiçosa. Poderia render uma boa narrativa de 40 ou 45 minutos. Ao menos temos Jessica Alba rebolando em roupas mínimas.

Sin City: A Dama Fatal é fiel ao seu sucessor. O visual, os personagens, boa parte dos atores – está tudo lá. Contudo, com tantas histórias insossas, não tem metade do impacto ou qualidade de A Cidade do Pecado. Aparentemente, pelo que o histórico de desenvolvimento deste filme e o produto final nos mostraram, é quase impossível imaginar um prosseguimento desta série cinematográfica, o que é uma pena.

Nota: **