segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Especial O BALCONISTA

Se há um cineasta que podemos chamar de “nerd-mor”, este é Kevin Smith. O diretor, produtor, roteirista, editor e ator sempre adiciona a seus filmes inúmeras referências à cultura pop através de diálogos envolvendo filmes, quadrinhos, seriados e afins. Seu primeiro filme de sucesso, O Balconista, custou menos de 30.000 dólares para ser feito e boa parte do orçamento foi obtida graças à venda de sua coleção de quadrinhos. As duas locações principais da narrativa – uma loja de conveniência e uma locadora – eram lugares onde Smith realmente trabalhou na época, provavelmente lendo muito e assistindo filmes para passar o tempo, assim acumulando muito conhecimento sobre a cultura nerd.

O Balconista (Clerks, 1994)


É uma manhã qualquer quando Dante Hicks (Brian O’Halloran) recebe uma ligação de seu chefe solicitando-o a abrir a loja de conveniência Quick Stop em seu dia de folga, pois o outro funcionário está doente e seu chefe só estará disponível ao meio-dia. Como se isso não bastasse, Dante ainda tem que lidar com o inconsequente Randal Graves (Jeff Anderson), seu amigo de longa data e funcionário da locadora ao lado, e os inúmeros problemas que este o trás. Há também a revelação “bombástica” de sua namorada Veronica (Marilyn Ghigliotti) e a descoberta de que Caitlin (Lisa Spoonhauer), sua antiga namorada e grande amor, irá se casar em breve. E, claro, a presença de clientes de todos os tipos, alguns mais inconvenientes do que outros.

Toda a trama de O Balconista é apresentada, desenvolvida e concluída no decorrer de um dia. Devido ao baixo orçamento, o filme é todo em preto e branco e depende fortemente dos personagens e diálogos para se manter, o que felizmente acontece. Há bastante espaço para explorar o caráter de Dante e Randal e a dinâmica entre eles e suas personalidades diferentes. As situações (envolvendo um jogo de hockey, um velório e sexo no banheiro, entre outras) são absurdas e os diálogos são muito envolventes e passeiam por diversos temas como sexo, Star Wars, responsabilidade para com relacionamentos, velhos conhecidos e a incerteza do futuro. Os melhores momentos são aqueles nos quais os amigos, ambos com 22 anos de idade, se questionam – e são questionados por Veronica – sobre o atual momento de suas vidas e a falta de perspectiva sobre o que acontecerá em seguida, algo que aflige muitas pessoas, eu incluso.

Passeando entre o filosófico e o hilário, O Balconista ainda nos apresenta à dupla Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (o próprio Kevin Smith), dois amigos traficantes que passam o dia em frente à loja esperando por sua clientela. Estes dois personagens se tornariam a alma e o elo do universo cinematográfico estabelecido por Smith, que abrange seis longas – O Balconista (1994), Barrados no Shopping (1995), Procura-se Amy (1997), Dogma (1999), O Império (do Besteirol) Contra-ataca (2001) e O Balconista 2 (2006). Jay e Silent Bob são os únicos personagens presentes em todos eles, sempre interpretados por Mewes e Smith de forma absurdamente divertida.

Nota: *****

Enquanto Jay e Silent Bob aparecem em todos os filmes, eles nunca foram o foco, atuando apenas como coadjuvantes – em Procura-se Amy, a dupla aparece apenas em uma cena, na qual Silent Bob, em um dos raros momentos em que fala, exercita um belo monólogo sobre a garota do título. O protagonismo veio apenas com o quinto filme, Jay and Silent Bob Strike Back, cujo título foi porca e ridiculamente adaptado para o mercado brasileiro como O Império (do Besteirol) Contra-ataca. Planejado por Kevin Smith como um desfecho não só para a dupla como também para o universo cinematográfico iniciado em 1994, o filme – bem mediano – não apresentou um final digno, o que levou Smith a revisitar a história que começou tudo, afinal seria muito interessante saber o que aconteceu com Dante Hicks e Randal Graves após todos estes anos.

O Balconista 2 (Clerks II, 2006)


O Balconista 2 acompanha Dante e Randal dez anos após os eventos do filme original. O Quick Stop foi destruído pelo fogo um ano antes e os amigos agora trabalham na lanchonete Mooby’s. Dante, aparentemente feliz, está às vésperas de ir para a Flórida com sua noiva Emma (Jennifer Schwalbach) e começar uma vida nova, enquanto Randal sofre por seu melhor amigo estar de partida e acabar virando um pau-mandado nas mãos da esposa. Somos apresentados aos outros funcionários do Mooby’s: Elias (Trevor Fehrman), um nerd adolescente apaixonado por O Senhor dos Anéis e merdas como Transformers, sofrendo com o bullying de Randal, e Becky (Rosario Dawson), a gerente que flerta com Dante e o provoca quando ambos conversam sobre este se casar e ter todas as decisões importantes de sua vida tomadas por Emma, já que ele mesmo prefere evitar este fardo. Jay e Silent Bob continuam na mesma vida marginal e adotam a fachada do Mooby’s como seu novo local de “trabalho”.

O Balconista 2 não possui o mesmo brilho e inteligência do primeiro filme. Contudo, seu grande mérito é ser fiel a ele. Dante e Randal continuam os mesmos. Toda a trama se passa em questão de horas – com exceção do prólogo, iniciado em preto e branco, assim como em 1994, e do epílogo. Ainda temos situações absurdas (lembrem-se do jumento) e diálogos bem escritos envolvendo nerdices e reflexões sobre a vida – se no filme de 1994 Dante e Randal se questionavam sobre aquela etapa e o futuro incerto, aqui eles discorrem sobre como o tempo às vezes pode passar rápido sem ter sido aproveitado, o que também aflige muitas pessoas, eu incluso.

Para quem era jovem e acompanhou o lançamento de O Balconista no já longínquo ano de 1994, a continuação deve ter dado uma severa crise de nostalgia 12 anos depois. O Balconista 2 foi uma conclusão imensamente mais digna ao legado de Jay e Silent Bob (não estou incluindo aqui a animação Jay & Silent Bob’s Super Groovy Cartoon Movie, de 2013), além de Dante e Randal. Isto é, seria, afinal Kevin Smith, provavelmente devido aos filmes que anda dirigindo sem ter muito controle criativo, anunciou que um terceiro filme dos amigos será lançado nos próximos anos. Nos resta aguardar e torcer para que a saga continue divertida, e com momentos reflexivos.

Nota: ****

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